“Reposicione-se”
Certa manhã, conversando com uma pseudo-amiga, discutindo a relação – não sei se isso se aplica a uma relação de amizade -, tentava fazê-la entender que, ao longo da vida, aprendi que nem sempre é necessário romper definitivamente com uma pessoa. Ela procurava me explicar uma atitude sua, pouco leal para quem se dizia minha amiga, numa situação que, naquela ocasião, acreditei haver justificativa. Para me fazer entender, usei uma estratégia simples e prática para que ela visualizasse o que eu dizia. Lancei mão de uma borracha que estava diante de mim e vários clipes de prender papel, que se encontravam dentro de uma bolsinha contendo canetas e lápis. Coloquei a borracha no centro da mesa e espalhei os clipes ao redor, todos eles voltados, com as partes pontiagudas, em direção à borracha, e então parti para uma explicação metafórica. Disse a ela que a borracha me representava e que os clipes faziam menção às diversas pessoas e relações que gravitavam ao meu redor. Os clipes próximos à borracha representavam as minhas relações mais estreitas e que essa importância diminuía à medida que afastavam-se de mim, borracha. Era uma questão de posicionamento, e a proximidade, ou o distanciamento, conferia apenas a valorização da amizade. Ou seja, não era necessário haver rompimentos de relações, apenas reposicioná-las. Finalizei dizendo que, até aquele momento, o clipe que a representava estava bem próximo à borracha. Hoje, se interessar, ela foi perdendo a importância até voltar para a bolsinha de canetas e lápis. É assim que as coisas acontecem.
Mas, por que esta história? Para mensurar minhas relações de amizade? Não… Apenas para ilustrar e começar uma análise do processo de retração e distensão da vida.
A vida produz efeitos interessantes. Em determinados momentos, percebemos um movimento de retração, onde tudo parece conjugar para o sucesso, para a vitória… Tudo dá certo! Mas em certas ocasiões… A distensão ocupa o lugar e tudo desanda. Como num efeito dilatador, tudo desarmoniza e rui diante de nossos olhos.
Retroceder parece impossível e, claramente, passo a entender a vida numa perspectiva cíclica.
Cada etapa entra num circuito de ação que tem seu desenvolvimento, sua maturação, seu ápice e sua substituição por outro ciclo. Cada um tem seu grau de importância e, ao ser superado, não retorna mais. O indivíduo que se prende a um ciclo e não evolui mental e emocionalmente, fica estagnado e não vive de forma produtiva e com qualidade.
Entendo que na primeira etapa, na infância, o indivíduo é cheio de vontades que são moldadas conforme os códigos familiares, de acordo com a sociedade em que está inserido. Na etapa seguinte, na juventude, o indivíduo busca aceitação social e afetiva, o que gera uma modelação na personalidade e na capacidade de interagir. A partir dos 40, chegamos à etapa da maturidade. Neste momento, já não mudamos mais significativamente, nem para agradar a outrem e nem a nós mesmos, mas em compensação, temos condição de pensarmos com mais clareza para avaliarmos atitudes e palavras, não cometendo erros primários. Quem é explosivo e impulsivo, passa a medir as ações, e quem é cordato e introvertido, entende que nem sempre tudo deve ou pode ser reprimido. Aprendemos a conviver com a diversidade e respeitar as diferenças. Na fase do envelhecimento, a idade concede ao indivíduo a chancela de ser dono do seu próprio caminho e de si mesmo. O indivíduo que se deixa aprisionar em uma etapa já vivida, perde a oportunidade de ser feliz, pois envelhece sem crescer. Fica apenas com a parte ruim do passar da idade, pois a única vantagem do envelhecer é adquirir a experiência de cada etapa.
“Eu quero ter um milhão de amigos”, caracteriza a primeira fase. Entretanto… Faço questão de poucos, mas que valham muito. Na segunda fase, cremos na mudança, pois “Um belo dia resolvi mudar e fazer tudo o que eu queria fazer”. Mas apenas mudar não adianta, quero me transformar para fazer a diferença. Na maturidade, “Não vou mudar em vão. Pra que mentir”, pois “Sou o que sou. Sem mentiras pra mim. Se você quer chegar, me aceite assim. Pois o fato é que eu sou. E não vou me negar”. Quero me reinventar sem medo, pois depois, velho, o que vale é viver, já que “A vida passa lentamente, e a gente vai tão de repente, tão de repente que não sente, saudades do que já passou”. Encerrar todas as etapas é a garantia de ter sido feliz.
Já mencionei, num outro momento, a Teoria do Efeito Borboleta, que se enquadra perfeitamente à situação aqui descrita. O Efeito Borboleta faz parte da teoria do caos. Pequenas ações podem mudar o mundo. Edward Lorenz, matemático, afirmava que o bater das asas de uma simples borboleta poderia influenciar o curso natural das coisas e assim, talvez, provocar um tufão do outro lado do mundo, ou seja, gerar resultados grandiosos. Almejar muito com pequenas ações é acreditar que essa é uma condição para transformar vidas. Muitas vezes é preciso ir ao caos para ressurgir melhor e mais forte. Apoiar-nos nessa verdade é investir na crença de que as coisas podem mudar a partir do momento em que empreendemos esforços reais em prol da mudança.
Tem dias que temos vontade de desistir.
Tem dias que temos forças para movimentar o Universo.
Nos dias da desistência, nos sentimos poeiras. Tão pequena e fragmentada, perdida no espaço, que o sentido de nossa existência se torna questionável. Mas nos dias de força, se não movermos o Universo, basta que “metamorfosiemos” nossas próprias vidas. Saiamos dos casulos que nos paralisam para batermos as asas para longe e bem alto.É neste momento da vida que assumimos nossos posicionamentos ou mesmo a necessidade de promovermos alguns reposicionamentos. Não como num jogo frio e calculista, que manipulam peças, mas sim numa atitude franca e positiva de organizarmos os nossos verdadeiros valores.
Por fim, sintetizando…
Somos como as ondas do mar. Nossas vidas vem e vão, num eterno vir e retornar… O bom de disso tudo é saber aproveitar. Tirar o bom. O que não serve, eliminar e continuar… Continuar com o coração esperto. Cada vez mais certo, de que levamos da vida, de mais concreto, a certeza de recomeçar. Não mais do zero, mas de peito aberto. É isso que eu quero!
Para mim e para você.
– Texto originalmente publicado na Revista Tribuna da Serra, em 2014, no seu segundo volume.