Este tema ainda retornará por aqui, talvez em momentos mais próximos das eleições de 2026. Quem sabe assim alguns gabinetes de campanha possam, minimamente, considerar os dados que hoje começo a expor. Sim, dados. Não se trata de meras opiniões.
Nas últimas duas décadas, o financiamento público da cultura no Brasil percorreu trajetória sinuosa e, sob muitos aspectos, claudicante. Conforme levantamento do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA, 2019), em 2011 o setor representava aproximadamente 0,28% das despesas públicas consolidadas da União, estados e municípios, percentual que, de forma gradual, recuou até alcançar 0,21% em 2018. Paralelamente, estados e municípios ampliaram seus aportes, compensando parcialmente o encolhimento da União: segundo o Observatório Itaú Cultural (2023), entre 2013 e 2022, os orçamentos estaduais cresceram 59% e os municipais, 84%. Apesar desse esforço descentralizado, o volume global de recursos permanece irrisório diante da máquina orçamentária nacional, expondo a vulnerabilidade estrutural da política cultural no país.
Particularmente no âmbito federal, o desinvestimento foi mais agudo. Entre 2013 e 2022, os dispêndios efetivamente liquidados pela União sofreram queda nominal de 28%, somada a crônicos índices de subexecução — em alguns exercícios, inferior a 40% da dotação autorizada, segundo o mesmo Observatório. A sequência de crises fiscais, instabilidades administrativas e a ausência de uma política sólida e contínua acentuaram essa erosão. Mesmo a recomposição parcial de 2023 — ano em que, de acordo com a Secretaria de Orçamento Federal, as dotações cresceram 87% em relação a 2022 — não conseguiu afastar a fragilidade persistente, como evidenciado nos cortes recentes de 2025, com severa redução dos valores originalmente previstos para a Lei Aldir Blanc, conforme o G1 (2025). Some-se ainda o risco iminente de paralisação de diversas atividades finalísticas do Executivo na área cultural no segundo semestre, em razão dos novos contingenciamentos.
O quadro geral revela não a construção de uma política de Estado, mas sucessivas oscilações: avanços episódicos seguidos de recuos contundentes, com a cultura ocupando posição vulnerável nas disputas orçamentárias e sujeita à volatilidade das agendas políticas. Apesar da capilaridade institucional já alcançada, o espaço orçamentário conquistado continua residual, oscilando de forma recorrente em frações inferiores a 0,3% do gasto público total — síntese eloquente da fragilidade da sua posição nas prioridades do Estado brasileiro.
Diante disso, uma indagação se impõe — sobretudo aos gestores e políticos mais próximos da área: é realmente viável multiplicar estruturas e centralizar instituições destinadas a atender comunidades e segmentos já tão diversos no país?
Ao contrário, o que se presencia é uma disputa fragmentada por territórios, recursos e protagonismos. Afastar-se das pontas, criar novos departamentos e autarquias, dividir o que já é exíguo, tudo isso nos aproxima ainda mais do abismo e da irrelevância. Como bem resume um amigo de infância: “estamos dividindo zero pra dois”.
O que se faz necessário, isto sim, é o fortalecimento das instituições já existentes — muitas delas sub-representadasou em marasmo próximo do desalento, esmagadas pela crônica inanição orçamentária — e, a partir delas, lutar pelo incremento de recursos destinados ao que, de fato, importa: chegar ao povo, aos monumentos, aos detentores, aos acervos, museus, teatros, arquivos e bibliotecas. Não aos gabinetes dos diretores mais afeiçoados à política com “p” minúsculo, tampouco às divisões criadas ano sim, outro também, para acomodar aliados de ocasião com cargos de comando.
Por ora, encerro. Voltarei ao tema em momento oportuno, quando a eleição de 26 estiver mais próxima. Seja como for, algo para mim já se mostra evidente: de um bolo sem fermento e que não cresce há mais de vinte anos, não deveriam surgir tantas bocas ávidas por fatias cada vez maiores — enquanto a população, em suas cidades e bairros, segue privada até mesmo de um pequeno pedaço de cultura.