
O Partido Novo vive, atualmente, um dilema. Estreou na política brasileira em 2015 com a principal bandeira de não utilizar recursos públicos nas eleições em que participasse. Uma década depois, integrantes da legenda no Rio de Janeiro cobram da Executiva Estadual explicações sobre suposto desvio de recursos do fundo eleitoral nas eleições municipais de 2024.
Os questionamentos foram levados à comissão de ética e ao Ministério Público. O Diretório Estadual nega irregularidades e diz que as contas foram aprovadas pela Justiça Eleitoral. As críticas estão concentradas nos recursos destinados para o cumprimento das cotas para candidaturas de mulheres e pessoas negras.
Fundado em 2011 por empresários enriquecidos no mercado financeiro, a legenda destoou dos demais partidos existentes na época justamente por rechaçar a utilização de recursos públicos nos pleitos eleitorais. No ano passado, porém, alterou uma diretriz interna e repassou, pela primeira vez, sua fatia do fundo eleitoral aos candidatos (R$ 37,1 milhões), de um total de R$ 5 bilhões distribuídos no país.
Distribuição desigual e cruzamento de campanhas
Em 2022 o partido elegeu o governador de Minas Gerais, Romeu Zema, e três deputados federais. Hoje, Zema é pré-candidato à Presidência para 2026 e continua criticando o financiamento público eleitoral.
No pleito de 2024, o Novo destinou à candidata a vereadora Débora Pontes a quantia de R$ 109 mil, transformando-a na política que mais recebeu recursos do fundo eleitoral municipal. Ela conquistou apenas 618 votos na eleição, mas recebeu R$ 34 mil a mais que Pedro Duarte, que já era vereador do partido e foi reeleito com 15.404 votos.
Em um vídeo de uma reunião de integrantes do partido antes da eleição do ano passado, candidatos a vereador abordam o assunto da distribuição desigual da verba eleitoral. O então presidente do Novo carioca, Bruno Mega, respondeu a um dos questionamentos afirmando que “boa parte do dinheiro que foi para Débora Pontes foi dinheiro da Carol Sponza, candidata a prefeita do partido, para pagar despesas da nominata”, ou seja, montar a lista de nomes dos candidatos da legenda naquele pleito.
O diretório estadual do Novo garantiu que não houve desvio de recursos do fundo eleitoral no estado e que as prestações de contas foram aprovadas pela Justiça. “A distribuição dos recursos eleitorais obedeceu estritamente à legislação. Dentro desse marco legal, a definição de valores é discricionária de cada diretório estadual, que pode levar em conta critérios como potencial eleitoral, currículo e andamento da campanha”, disse o partido, em nota.
Uma das prestadoras de serviços ao partido disse que concentrou 43% (R$ 48,8 mil), das despesas declaradas pela campanha de Débora Pontes. Duas notas, uma de R$ 22 mil e outra de R$ 26,8 mil, foram emitidas em nome da candidatura de Pontes nos dias 2 e 16 de setembro. Os serviços se referem a “fornecimento e gestão de equipe de promotoras de divulgação para evento de panfletagem nas ruas”. Em outra nota, havia a previsão de equipe de cinco pessoas por 20 dias, e na outra, três pessoas por 34 dias. A empresa não aparece na prestação declarada pela candidatura de Carol Sponza.
A prestadora do serviço afirmou que também trabalhou na campanha da postulante do Novo à prefeitura, mas admitiu que emitiu notas apenas para a campanha de Pontes. Uma resolução de 2019 do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) estabelece que a verba destinada ao custeio das campanhas femininas e de pessoas negras deve ser aplicada exclusivamente nessas candidaturas. Uma exceção à norma seria o pagamento de despesas comuns com candidatos do gênero masculino e de pessoas não negras.
A advogada eleitoral Isabela Damasceno afirma, porém, que esse tipo de despesa comum precisa ser registrado pelas duas prestações de contas. Questionada se todos os gastos declarados foram utilizados exclusivamente em sua campanha, Débora Pontes disse que “tudo foi utilizado conforme declarado na prestação de contas”.
De R$ 12 mil, só recebeu R$ 3 mil e teve apenas 26 votos
A candidata negra do partido, Karol Vicente, que concorreu à vaga de vereadora em Barra do Piraí, no Sul do Estado, afirmou em áudio, que o fundo eleitoral destinado a ela teria sido desviado. Ela e mais uma colega de legenda receberam R$ 12 mil de fundo eleitoral. “O presidente de Barra do Piraí usou meu fundo eleitoral sabe-se Deus exatamente para quê, porque para mim, não usou para nada”. Ela afirmou que o dirigente teria deixado uma fatia de R$ 3 mil para gastar com a campanha. Karol recebeu 26 votos na eleição. Indagada sobre o áudio, há alguns dias, a candidata afirmou que não reconhece e não se lembra da gravação, feita e transmitida de seu celular.
A reportagem não conseguiu contato com o dirigente do partido em Barra do Piraí. A suspeita de desvios das verbas do fundo eleitoral foi levada à comissão de ética nacional do Novo. Procurado, o partido confirmou que recebeu a representação e disse que obteve os esclarecimentos necessários e o processo segue em andamento de acordo com os trâmites protocolares.
O tema também foi encaminhado ao Ministério Público do Rio de Janeiro por meio da ouvidoria do partido. Após diligências, a Promotoria afirmou que o material encaminhado não possuía elementos que comprovassem as acusações.
O MP-RJ também disse que o processo de prestação de contas eleitorais do diretório municipal do Novo, referente ao exercício de 2024, ainda está em tramitação e pendente de nova apreciação pela equipe técnica do juízo da 170ª Zona Eleitoral, responsável por aprovar ou não as contas.
Na resposta do partido que levou a Promotoria a arquivar o caso, o Novo nega os desvios e afirma que a denúncia, feita por uma candidata a vereadora pelo partido, foi apresentada após ela ter apoiado uma chapa que perdeu a eleição deste ano para o diretório estadual do partido no Rio. Fonte: Jornal Folha de São Paulo.