Tenho acompanhado a Copa do Mundo de Clubes da FIFA, iniciada essa semana e que está acontecendo nos EUA. Chama atenção, além da alegria de sempre, o quanto os turistas brasileiros agem com deferência (e é assim mesmo que tem de ser) nos locais de memória, celebração e tradição quando estão fora do seu país. Algo diferente do que ocorre no próprio Brasil, em muitos casos.
É evidente que não se pode generalizar. Há, sim, exemplos de engajamento e abnegação louváveis, como no caso da atual administração da Irmandade de Nossa Senhora da Lapa dos Mercadores. E também em tantas outras igrejas, confrarias, museus e memoriais espalhados pelo país, preservados com esmero por zelosos e apaixonados arautos do patrimônio. Mas esses exemplos, infelizmente, são exceções — e raramente recebem o reconhecimento público que merecem.
Estive recentemente conhecendo uma coleção histórica, bibliográfica e arqueológica na Ilha do Governador. E ainda me surpreende (eu, que não consigo desistir da causa) o fato de o poder público e as camadas mais influentes da sociedade não perceberem o valor do que está bem diante de seus olhos. O que há aqui também lhes pertence. E, no entanto, parece invisível. Parece menor.
Como gerar engajamento e identificação num cenário marcado pela banalização e alienação generalizadas? Como despertar o interesse por nossa memória em meio a uma cultura que reforça, cotidianamente, o complexo de vira-lata — essa ideia nociva de que só há civilização, beleza e valor no quintal do vizinho?
Hoje muito se fala em decolonialismo, mas, curiosamente, esse debate por vezes exclui o patrimônio cultural da equação. No entanto, ambas as pautas se coadunam e deságuam no mesmo ponto: a defesa do que realmente é nosso, a denúncia das amarras que herdamos, a recusa da fetichização e glamourização das nossas próprias mazelas. O patrimônio cultural também liberta. Use-o. Desfrute dele.
Há, sim, bons exemplos — e muitos deles resistem com parcos recursos e uma energia quase sempre movida a voluntarismo. Paraty, reconhecida como Patrimônio Mundial, resiste com dificuldade diante da crescente especulação e da ausência de políticas públicas que de fato articulem preservação e desenvolvimento local. Conservatória, distrito de Valença, é quase um museu a céu aberto, onde a música de seresta ecoa pelas ruas e becos como um testemunho vivo da cultura imaterial. Já Resende abriga, ainda que pouco se saiba, o Museu de Arte Moderna mais antigo do interior do Brasil (1950), que sobrevive à margem dos circuitos consagrados, mas representa uma joia rara da história museológica nacional. São faróis acesos na escuridão, exemplos vivos de como o patrimônio não é uma abstração do passado, mas parte pulsante do nosso presente.
Sabe aquele seu amigo ou amiga que foi para a Europa e não para de publicar foto de igreja medieval no Instagram? Pois é. Talvez ainda falte entender que não precisamos atravessar oceanos para nos encantar com a história. O que falta, mesmo, é atravessar a rua. Trocar a indiferença pelo reconhecimento. E, finalmente, deixar de apenas desejar o que é do outro para descobrir — e cuidar — da beleza que já é nossa.