Créditos: Jornal Terceira Via
Aos 55 anos, André Ceciliano, deputado estadual por quatro mandatos e duas vezes prefeito de Paracambi, na Baixada Fluminense, foi um dos protagonistas da vida pública fluminense nos últimos 20 anos, principalmente quando assumiu a presidência da Assembleia Legislativa do Estado do Rio de Janeiro (Alerj) em 2017, em uma das piores crises econômicas e políticas da história do estado.
Presidiu a Casa em um primeiro momento, como interino e depois foi eleito. Sob o signo do diálogo, mostrou ser um diplomata, negociando a bilionária dívida do Governo do Estado com a União e também viabilizando, dentro das boas práticas republicanas, a concessão da Companhia Estadual de Água e Esgoto (Cedae).
André Ceciliano é uma unanimidade entre seus pares e seria facilmente reeleito a deputado estadual. Os números mostravam que também seria eleito com margem de folga se fosse candidato a deputado federal. Petista de primeiro momento, Ceciliano, aceitou o desafio do presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva, que queria um candidato de sua confiança ao Senado, mas a única vaga ficou com o senador Romário. Concorrendo em uma eleição difícil, todos concordam que ele perdeu ganhando.
Ceciliano continua trabalhando, deixando a Casa arrumada para a nova legislatura. Entre os seus muitos feitos está a criação do Fundo Soberano, uma reserva de recursos estratégicos alimentada pelos royalties do petróleo. Sobre o futuro, ele se coloca na condição de um homem público de forma integral, se preparando para novos desafios.
Em 2000 o senhor foi eleito prefeito de Paracambi, na Baixada Fluminense, e neste momento começou a ganhar visibilidade com investimentos em educação e outras áreas, o que o levou à reeleição em 2004. O senhor pode resumir este primeiro momento da sua vida política?
Assumi a prefeitura de Paracambi aos 33 anos, após dois anos como deputado estadual pelo PT. Minha experiência anterior, no mercado financeiro, me ajudou muito como gestor e para implementar as profundas mudanças que promovemos na cidade entre 2001-2008. Na Educação, assim como na Saúde, no Saneamento, na Segurança, foram muitas as ações, mas, sem dúvida, o maior marco foi a Fábrica do Conhecimento, que inauguramos em 2002 e hoje atende a mais de dez mil alunos em diversos cursos técnicos e superiores, além da Escola de Música Villa Lobos, de balé, e muito mais. O prédio, de 1871, era uma fábrica de tecidos e estava fechada desde 1984. Durante a nossa gestão, compramos o prédio, que se assemelha a um castelo inglês, e transformamos num complexo educacional. Muitas vidas mudaram depois de passar por ali. Por isso, considero esse, talvez, o maior feito da minha carreira política.
A partir de 2011, o senhor começou a ser protagonista de uma série de eventos na Alerj, sendo presidente de comissões e vice-presidente da Casa, inclusive, assumindo a presidência em 2017, pela vacância do cargo. Foi um momento difícil?
Foi um período muito duro para o Estado do Rio de Janeiro, de crise financeira e também política. Os salários dos servidores chegaram a atrasar três, quatro meses. Tínhamos manifestações diárias na porta da Alerj. Votamos pautas difíceis para que o Estado pudesse aderir ao Regime de Recuperação Fiscal (RRF), conseguir o socorro financeiro da União e colocar as contas em dia. Além das pautas cotidianas, aprovamos uma série de mudanças nas alíquotas de ICMS de diversos setores da nossa economia para que o Estado pudesse recuperar sua cap acidade de arrecadação e de investimentos. Hoje, vivemos um novo momento, de retomada do desenvolvimento econômico, graças a esse trabalho da Alerj e ao esforço de todos os deputados.
E agora, próximo de deixar a Alerj, como o senhor vê os bastidores das eleições da mesa diretora da Casa no biênio 2023/2024?
Assumi interinamente a presidência da Alerj em 2017, durante a maior crise política e econômica da história do Rio de Janeiro, com o estado quebrado, salários atrasados e uma profunda crise institucional. Foi como assumir o leme de um barco desgovernado em plena tempestade. Mas, com muito diálogo e espírito público, conseguimos superar aquele momento, aprovar as medidas duras, mas que permitiram o ingresso do estado no Regime de Recuperação Fiscal e sua recuperação financeira está em curso.
O senhor foi um dos deputados que apoiou a concessão da Companhia Estadual de Águas e Saneamento (Cedae), um dos maiores ativos no Estado, mas suspendeu o leilão para que fosse uma condicionante ao Regime de Recuperação Fiscal do Rio. Foi uma decisão acertada?
O tempo mostrou o quanto eu estava certo, pois o que vimos foi que, depois da concessão da Cedae, o Governo Federal começou a colocar uma série de novos obstáculos e exigência absurdas para a renovação do Regime de Recuperação Fiscal (RRF), em 2021. Entre elas — e que não permitimos que acontecesse — foi a suspensão de concursos públicos pelo período de dez anos! Uma verdadeira loucura, na medida em que não existe serviço público sem servidor público, segurança sem policial, educação sem professor, Saúde sem médicos e enfermeiros. Mas, de novo, conseguimos com muito diálogo superar os obstáculos e encontrar caminhos negociados.
O senhor diria que, sem o Regime de Recuperação Fiscal, junto à concessão da Cedae, o Estado do Rio de Janeiro estaria sem caixa?
Em 2017, quando o preço do barril de petróleo despencou afetando terrivelmente as finanças do estado, a venda da Cedae foi a garantia exigida pelo Governo Temer para avalizar um empréstimo da ordem de R$ 2 bilhões para o estado colocar os salários em dia e ingressar no RRF, suspendendo, assim, pelo período de três anos o pagamento das dívidas do Rio com a União. Se isso não tivesse acontecido, os policiais deixariam de receber, com certeza haveria greves, e a violência iria explodir. Seria uma guerra civil, o caos.
Talvez uma de suas maiores marcas na passagem pela presidência da Alerj tenha sido a criação do Fundo Soberano, alimentado pelos royalties do petróleo. Como funciona o fundo e a que ele se destina?
O Fundo Soberano é uma forma de o Rio reduzir a sua dependência dos royalties de petróleo e parar de viver esses altos e baixos, ou seja, fica bem quando o preço do barril está alto, como agora, e péssimo quando o valor cai, como em 2016. O Fundo já tem em caixa R$ 3,1 bilhão e vai virar o ano com R$ 5 bilhões, porque ele é alimentado por 30% da diferença positiva das receitas de royalties de um ano para o outro. Além de funcionar como uma poupança para ser usada em momentos de crise como o de 2016, esse fundo, a exemplo de outros fundos soberanos mundo afora, pode ser também um fundo investidor. Dessa forma, poderá financiar projetos estruturantes, ou seja, projetos que ajudem a fortalecer e diversificar a economia do estado. Defendo, por exemplo, a construção do gasoduto da Rota 4b. Porque onde tem gás, tem indústria, e onde tem indústria, tem emprego.
Outra marca de sua passagem pela presidência da Alerj foi a mudança do plenário e dos gabinetes para outro prédio. Como avalia, hoje, essa medida?
Justiça seja feita, esse processo foi iniciado pelo meu antecessor, o falecido presidente Jorge Picciani, que fez uma permuta com outorga do prédio do antigo Banerjão com o Governo do Estado, objetivando dar melhores condições de trabalho para o Parlamento e o próprio atendimento à população. Foi uma boa medida. O Banerjão é uma joia da arquitetura brasileira e estava em petição de miséria, com risco de pegar fogo ou ser invadido, apesar de estar no coração do Centro do Rio. E o Palácio Tiradentes, um prédio de 1926, evidentemente não tinha condições de abrigar um parlamento moderno. Eu toquei a obra da reforma e me orgulho que esse processo tenha sido realizado com a maior lisura, sem uma única denúncia de malversação de recursos. Para se ter uma ideia, a lei autoriza que obras públicas em prédios retrofitados possam ter aditivos contratuais de até 50%. Nós não aditivamos nem 6%. Tudo com absoluta lisura e transparência e com recursos oriundos tão somente das próprias economias da Alerj.
Agora, o senhor deixa pronto para o Palácio Tiradentes um projeto de Cultura. Como isso vai funcionar?
O Palácio Tiradentes está passando por uma restauração e vai virar a Casa da Democracia, para que todos conheçam a história desse lugar fantástico, patrimônio do Brasil. Naquele local, funcionou a Cadeia Velha, onde ficou preso Tiradentes antes de ser enforcado. A partir de 1926, quando é inaugurado, vira a sede da Câmara dos Deputados. Depois, Departamento de Imprensa e Propaganda (DIP) na ditadura do Estado Novo e, desde a mudança da capital para Brasília, em 1960, se tornou sede da Alerj, até a nossa mudança para o Alerjão, em 2021. O Rio vai ganhar um Centro Cultural muito bacana e estou orgulhoso de fazer parte disso.
O senhor dividiu opiniões sobre o projeto que apresentou para mudar o nome do Maracanã de Mário Filho para Rei Pelé, que chegou a ser aprovado, mas acabou sendo vetado pelo governador Cláudio Castro. Acha que, mais cedo ou mais tarde, a homenagem a Pelé terá que ser nessa dimensão e importância?
Na verdade, o projeto não chegou a ser vetado porque eu mesmo desisti da ideia, devido à chuva de críticas que recebi na ocasião. Eu só queria fazer uma homenagem em vida ao maior craque do futebol mundial de todos os tempos, que, aliás, está muito doente no momento. O Brasil só reconhece seus ídolos depois que os perde, essa é a verdade.
As chances de ser eleito deputado federal com uma votação expressiva nas eleições deste ano eram nítidas. Por que o senhor escolheu o Senado?
Porque nem sempre o caminho fácil é o desejado. Minha candidatura foi fruto de uma convocação do presidente Lula, que queria ter no Rio um candidato ao Senado alinhado com ele, em quem pudesse confiar, que não iria fugir da bola dividida nas horas difíceis. E assim eu fiz. Não me elegi, mas a federação (PT-PV-PCdoB) fez seis deputados federais (tinha dois) e oito estaduais (tinha três). Em 2018, como deputado, tive 43 mil votos. Agora, em 2022, tive quase um milhão de votos. Nada mal para quem saiu de Paracambi (risos).
O senhor será um dos interlocutores do Estado do Rio de Janeiro com o presidente Lula?
Eu estarei à disposição do meu estado e do meu partido para ajudar o Rio a dar a volta por cima. O presidente Lula deu todas as demonstrações de que ama o nosso estado. Foi o presidente que mais investiu no estado em todos os tempos.
Como político do interior, o senhor concorda que a Região Metropolitana acaba concentrando todos os esforços do Governo e as demais regiões ficam em um segundo plano?
Concordo plenamente. Como presidente da Alerj, viajei o estado todo e sei que o potencial do interior não se desenvolve pela falta de compreensão do poder público em relação às potencialidades do interior. Depois de uma visita que fiz ao Noroeste, a gente criou a CPI da Enel, porque é criminosa a questão energética ali. Visitei uma fábrica que comprou um equipamento de R$ 40 milhões e que não podia ligar porque, quando fazia isso, caía a energia da cidade toda. Não há desenvolvimento possível com uma situação dessas.
O senhor tem 55 anos, jovem ainda para a política. Qual é a estratégia de André Ceciliano? Quer retomar a cena política ou não pretende sair dela?
A gente pode até sair da política, mas ela não sai da gente. Meu desejo é continuar trabalhando e voltar a colocar meu nome para o Senado em 2026. Mas, o futuro a Deus pertence.