STF precisará dizer se julgará mérito de impeachment

É fundamental analisar consistência jurídica de pedido em análise na Câmara

KENNEDY ALENCAR
BRASÍLIA

O principal ponto do debate sobre a eventual queda da presidente Dilma Rousseff é se há consistência jurídica no pedido de impeachment em tramitação na Câmara para que seja configurado um crime de responsabilidade. A resposta dependerá do grau de intervenção do Supremo Tribunal Federal nesse processo.

Obviamente, um impeachment baseado em provas, no qual fique evidente um crime de responsabilidade, não é golpe. Como também é cristalino que um impeachment fundamentado em evidências frágeis, sem que se prove crime de responsabilidade, resulta num golpe jurídico.

A situação hoje é a seguinte. A presidente Dilma não tem capacidade de negociação política. Mostrou isso em cinco anos. Não chegou a essa situação porque agiu acertadamente. Pelo contrário. Errou muito na política e na economia. O ex-presidente Lula possui capacidade de negociar, mas está desgastado e tem dificuldade de assumir a Casa Civil.

No quadro de hoje, seria mais provável a Câmara votar a favor do impeachment. O Diretório Nacional do PMDB decidirá amanhã romper com o governo, o que gerará um efeito dominó na Câmara, levando outros partidos que já se inclinam majoritariamente pelo impedimento a consolidar essa tendência.

Nesse cenário, restará à presidente pedir ao Supremo que se manifeste sobre a consistência jurídica do pedido em tramitação numa comissão da Câmara. Basicamente, o Supremo teria de dizer se esse pedido contempla claramente um crime de responsabilidade.

Até hoje, o Supremo decidiu sobre as regras de tramitação do impeachment. Não entrou no mérito do pedido em exame na Câmara.

O Supremo terá dois caminhos. Discutir o mérito desse pedido de impeachment e dizer se houve ou não crime de responsabilidade. Ou poderá definir que essa decisão cabe ao Legislativo, no qual a Câmara funciona como o Ministério Público, e o Senado, como um juiz. Ou seja, os deputados fariam o equivalente a uma denúncia. E os senadores seriam os juízes que aceitariam essa denúncia para julgar ou rejeitariam o pedido da Câmara para processar Dilma.

De qualquer forma, o Supremo será chamado a se manifestar a respeito disso. A decisão do tribunal, assim como a do Legislativo, será julgada pela História.

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Sem moralidade seletiva

É baixa a possibilidade de um eventual impeachment frear a Lava Jato e resultar num acordão para evitar que haja dano maior à classe política. A Lava Jato assumiu um proporção no debate público que dificilmente poderá ser abafada.

Muitos dos que estão conduzindo o impeachment da presidente Dilma serão as próximas vítimas da guilhotina. Em relação a Eduardo Cunha, presidente da Câmara, há um caminhão de provas. Ele está apostando no impeachment da presidente para criar uma confusão maior e deixar seu problema em segundo plano. Se houver um impeachment de Dilma, qual é a chance de Cunha se salvar? Nenhuma.

O listão da Odebrecht, um aperitivo do material apreendido pela Lava Jato, tem nomes da oposição na Câmara que agem com enorme hipocrisia ao discursar contra a corrupção. Caciques do PSDB, como o senador Aécio Neves e alguns deputados que articulam o impeachment, provavelmente vão responder a inquéritos no âmbito da Lava Jato.

A força-tarefa de Curitiba descobriu eventuais crimes da Odebrecht em governos estaduais. Há uma anotação de um executivo da empresa apontando propina de 5% num contrato de 2002 com o governo paulista, na época nas mãos de Geraldo Alckmin.

A jornalod_jornallista Monica Bergamo, em sua coluna na Folha de S.Paulo, publicou na semana passada uma informação importante: além de políticos, a investigação sobre a Odebrecht pode atingir figuras do Judiciário, do Ministério Público e das Forças Armadas. Há muita coisa ainda a ser investigada pela Lava Jato, inclusive informações fornecidas por outras empreiteiras.

O eventual impeachment da presidente não será o prenúncio da morte da Lava Jato. Haverá vozes na sociedade civil brasileira, que é complexa e vai muito além dos fascistas de redes sociais, a contestar uma eventual moralidade seletiva.