Dado está no relatório produzido pela sobre o primeiro ano do projeto de audiência de custódia no Rio
Rio – Dos mais de 5,3 mil presos em flagrante no Rio de Janeiro que tiveram direito a audiências de custódia nos últimos 12 meses, apenas 2,8% voltaram a ser apreendidos por um novo delito. O dado está no relatório produzido pela Defensoria Pública sobre o primeiro ano do projeto de audiência de custódia na capital fluminense. As audiências garantem que o preso seja apresentado ao juiz em um prazo máximo de 24 horas, para avaliar os requisitos legais para a prisão.
No período, a liberdade provisória ou relaxamento da prisão foram concedidos a 33,8% dos presos. Em 46 casos, a prisão em flagrante foi convertida em preventiva.
O relatório foi divulgado nesta sexta-feira na sede da Defensoria e entregue ao ministro do Supremo Tribunal Federal Ricardo Lewandowski, que idealizou a implantação do procedimento nos tribunais do país, quando presidia o Conselho Nacional de Justiça (CNJ), no ano passado.
Desde setembro de 2015, foram realizadas, em média, 22 audiências de custódia por dia no Rio de Janeiro. Segundo o estudo, por causa da medida, cerca de dois presos deixaram de ingressar no sistema prisional por dia, 18% a menos que antes da implementação do projeto.
Primeira pessoa beneficiada pela audiência de custódia no Rio de Janeiro, Daniel Lima Nascimento, 21 anos, teve direito à liberdade provisória e hoje entregou uma placa em homenagem à criação do projeto ao ministro Lewandowski. Nascimento contou que estava de moto com um amigo na Avenida Brasil, quando parou para pedir informação a um ciclista. Policiais que passavam pelo local acharam que ele assaltava o rapaz na bicicleta e o detiveram.
“Não me deixaram nem falar. Disseram que eu estava preso em flagrante e me levaram para a delegacia. Graças a Deus tinha essa audiência de custódia, pois todos merecem uma segunda chance”, contou ele, que suspeita que o motivo da prisão tenha sido racismo.
Humanização da Justiça
Lewandowski ressaltou que o projeto é instrumento de defesa, de combate à tortura dos presos e de pacificação social. O ministro comemorou o índice de quase 50% de liberdade provisória concedida nas audiências em todo o país. “São pessoas que não devem ser presas, pois não apresentam periculosidade. Têm residência fixa, emprego e são plenamente recuperáveis para a sociedade, que eventualmente deve ter cometido um crime menor sem violência”, disse.
O ministro do STF citou levantamentos recentes que mostram que o Brasil tem cerca de 600 mil presos, a quarta maior população carcerária do mundo, sendo que 40% são presos provisórios. “São pessoas que ficam aguardando meses, até anos, para encontrarem um juiz.”
De acordo com o coordenador de Defesa Criminal da Defensoria Pública do Rio, Emanuel Queiroz Rangel, os dados mostram a eficácia das audiências de custódia na pacificação de conflitos e garantia de direitos.
“O dado de 2,8% de retorno de quem é posto em liberdade mostra que o índice de reincidência é muito pequeno”, disse.
Segundo o defensor, além de garantir direitos do preso, as audiências de custódia evitam a cooptação de pessoas por organizações criminosas nas prisões. “Uma família, para conseguir uma visita, leva pelo menos 30 dias, e nesse espaço de tempo, o preso fica sem material de higiene, sem roupa, colchonete, nada. E geralmente quem domina a unidade prisional é que presta essa solidariedade”, contou.
“A audiência de custódia não é apenas um instrumento de garantia de combate à tortura, como também de diminuição da força das organizações criminosas”, destacou.
Para juíza coordenadora da Central de Audiências de Custódia do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, Marcela Assad Caram, as audiências de custódia humanizam as decisões judiciais. “O contato pessoal traz uma percepção extrassensorial que o papel não traz. Então você decide com muito mais certeza. Me sinto mais à vontade conversando com a pessoa, cuja vida estou decidindo, sabendo da sua história de vida, vendo o contexto, com quem mora, do que olhando só o papel”, comparou. Segundo a juíza, o tribunal está trabalhando na ampliação do projeto, que deve chegar à Baixada Fluminense até o final do ano.
Perfil dos presos
A grande maioria (73,63%) dos custodiados é negra e 68% e tem apenas o ensino fundamental completo (68%). Entretanto, a proporção de liberdades provisórias concedidas no primeiro ano do projeto no Rio de Janeiro é maior entre os brancos. Deste grupo, 37,95% foram liberados, enquanto 31,85% dos presos pretos e pardos tiveram liberdades provisórias concedidas. Quase 84% dos custodiados tem entre 18 e 36 anos.
Os crimes contra o patrimônio representam a maior parte dos casos (66%), sobretudo furto e roubo, seguido de crimes da Lei de Drogas e do Estatuto do Desarmamento.
Um em cada três réus disse ter condenação anterior e 18% informaram gozar de algum benefício da execução penal.
Dos 5.302 presos, 7,13% são mulheres e 68,11% delas foram liberadas após a audiência de custódia. A maioria foi presa por crimes contra o patrimônio envolvendo furto. O segundo crime mais cometido é o relacionado à Lei de Drogas. Três em cada quatro delas são mães.
Do total dos réus, 34% disseram ter sofrido agressão policial e 4,37% declararam ter sofrido tortura.