Com agravamento da crise, governo discute reforma ministerial

Classe política como um todo não está à altura das dificuldades do Brasil

Com o agravamento da crise política e o anúncio de que o PTB e PDT deixaram a base de apoio no Congresso, o Palácio do Planalto passou a discutir uma eventual reforma ministerial. Essa ideia foi aventada depois do apelo público feito ontem à tarde pelo vice-presidente da República, Michel Temer, que antes ouvira de líderes partidários na Câmara que a base do governo estava fora de controle.

A notícia é que há auxiliares da presidente Dilma Rousseff debatendo uma reforma. Mas para compor com quais partidos? Dois deles, PDT e PTB, que têm ministérios, anunciaram ontem a saída da base de sustentação parlamentar do governo. O PMDB tem sete ministros e uma parcela da sigla está rebelada. Gilberto Kassab comanda as Cidades enquanto o seu PSD joga contra o governo.

Lembrete: Fernando Collor de Mello tentou algo parecido em 1992 e não deu certo.

Classe política age com irresponsabilidade

O agravamento da crise política é preocupante porque há pouca ou nenhuma capacidade de reação no governo. Os partidos políticos agem com irresponsabilidade econômica na Câmara. E a oposição se nega a estabelecer diálogo com a presidente Dilma Rousseff.

Nesse contexto, o apelo feito pelo vice-presidente da República e articulador político do governo, Michel Temer, deve ser visto como alerta e prova do agravamento da crise política. Temer decidiu fazê-lo depois de uma reunião com líderes partidários da Câmara que disseram que derrotariam o governo ao votar a aprovação de uma PEC (Proposta de Emenda Constitucional) que vincula os salários de advogados públicos e de delegados aos vencimentos dos ministros do STF (Supremo Tribunal Federal).

Nem o PT votou a favor do Palácio do Planalto, o que demonstra um alto grau de irresponsabilidade do partido do governo numa hora de crise. Se nem o PT fica com o governo, outros partidos aliados se sentem confortáveis para derrotar a presidente Dilma Rousseff. Portanto, a culpa maior pelo agravamento da crise é a incapacidade política do governo Dilma.

A incapacidade política do governo não ameniza a irresponsabilidade do Congresso Nacional. O dólar está subindo devido a fatores externos e internos, mas sobretudo por causa da crise política. A Câmara deveria ter demonstrado maior responsabilidade. O presidente da Casa, Eduardo Cunha, também.

Cunha colocou a PEC em votação apenas para desgastar o governo, porque agora está dizendo que vai deixar na geladeira a aprovação da Proposta de Emenda Constitucional em segundo turno. Cunha quis deixar claro que o governo não tem mais base de apoio na Câmara. Disse exatamente isso. Depois, afirmou que iria barrar a conclusão da tramitação para não “agredir as contas públicas por causa de disputas políticas”.

Ora, isso tem nome: sabotagem política do governo utilizando a Câmara e prejudicando a economia.

A oposição também fica mal na foto. É coadjuvante de Eduardo Cunha e se comporta com irresponsabilidade política e econômica.

Os senadores ficam vendo o circo pegar fogo na Câmara, prometem ser mais responsáveis do ponto de vista fiscal, mas pouco fazem para frear a escalada da irresponsabilidade política e econômica.

Em resumo, a classe política como um todo não está se comportando à altura das dificuldades do Brasil neste momento.

Acelerando Janot

A nova pesquisa Datafolha vai jogar mais gasolina na fogueira da crise. Numericamente, Dilma passou a ser a presidente mais impopular desde o começo da série histórica, que abrange os governos Collor, Itamar, FHC, Lula e o dela. A gestão Sarney não conta porque a pesquisa era feita em apenas 10 capitais de Estado.

Com 71% de ruim/péssimo, Dilma está em situação de empate técnico com Collor no limite da margem de erro. Ele teve 68% no seu pior momento. Ou seja, no limite da margem, que é de dois pontos percentuais para cima ou para baixo, poderiam estar empatados.

Mas o que vale é a leitura política: Dilma virou campeã de impopularidade entre cinco presidentes da nossa história recente.

A pesquisa dará mais combustível aos protestos marcados para 16 de agosto e também às conversas sobre a eventual abertura de um processo de impeachment. Fornecerá também munição ao presidente da Câmara. Apesar de negar publicamente, Eduardo Cunha articula a abertura desse processo com apoio da oposição.

Uma possível reação da presidente deverá ser confirmar rapidamente a indicação de Rodrigo Janot para um novo mandato de dois anos como procurador-geral da República. Ele teve vitória expressiva ontem na eleição interna da categoria. Aguardava o fim da eleição para apresentar ao Supremo uma fornada de denúncias contra políticos, entre os quais Eduardo Cunha. Se a denúncia contra Cunha for tão consistente como avalia o Ministério Público, o governo terá alguma chance de tirá-lo do comando da Câmara ou de enfraquece-lo bastante, o que poderia dar um alívio político ao Palácio do Planalto no meio da crise.
Passou dos limites
KENNEDY ALENCAR
BRASÍLIA