Em Brasília, manifestantes a favor e contra o impeachment ficarão separados por um muro e um corredor de 80 metros de largura e um quilômetro de comprimento, entre a Catedral e o Congresso Nacional. O alambrado é para impedir a visibilidade e o contato entre os grupos contrários e reduzir a chance de provocações e embates. Coxinhas para um lado, petralhas para o outro – conforme os apelidos dados ao grupo pró e contra impeachment, respectivamante. O muro é também uma representação física do clima de intolerância que tomou conta do debate político do Brasil. Para o psiquiatra Daniel Martins, essa separação representa a incapacidade de convívio com o outro. “O impacto do radicalismo na vida prática é que não enxergamos o outro”, diz.
O psiquiatra destaca que as posturas políticas adotadas acabam se tornando parte da identidade da pessoa – por isso a dificuldade de entender posições contrárias. “Quando se forma uma convicção, isso fica automaticamente, dependendo do grau de importância daquilo, misturado com a identidade do sujeito. Ele se torna uma pessoa que acredita naquilo e essa postura passa a ser uma parte constituinte da sua identidade”, explica.
O sujeito não consegue colocar em suspenso e nem questionar a sua própria convicção, o que se traduz em dificuldades para estabelecer o debate saudável com quem tem opiniões diferentes . “Por isso, é difícil argumentar e contra-argumentar com as pessoas tentando questionar convicções. A partir do momento em que você apresenta argumentos contrários àquilo que ela é convicta, automaticamente a pessoa se defende porque se sente ameaçada na sua própria identidade”, completa Martins. O confronto gera emoções negativas como raiva, frustração e medo, que são contrárias ao raciocínio claro e preciso.
Extremos: zona de conforto
“Quando falamos de política ou ciência, estamos falando de temas complexos. São muitas nuances e os detalhes escapam aos conhecimentos do leigo. A plena compreensão do que está sendo debatido é muito rara. Essa complexidade teoricamente faria com que as pessoas tivessem mais dúvidas, mas, na verdade, empurra as pessoas pros extremos de um lado ou de outro”, alerta o psiquiatra.
Em geral, a maioria das pessoas opta por ignorar essa complexidade dos assuntos e se colocar em uma posição confortável. “O cérebro não lida bem com dúvidas, com incertezas. Quando a gente está com dúvida, está o tempo todo buscando a resposta e a certeza. Só que a visão simplista, normalmente, está nos extremos”.
Como derrubar o muro da intolerância?
Uma saída para a intolerância e a construção do diálogo está no auto-questionamento. “As pessoas poderiam fazer um exercício de ‘eu posso estar errado’, ‘talvez não seja assim’. Para debater, a gente precisa ter a possibilidade de colocar em dúvida a própria crença. Caso contrário, não falaremos de uma postura e sim de um dogma”, explica.
Questionar-se não significa “entregar o jogo”: “ela pode pegar parte dos argumentos e inserir na sua visão, enriquecer o seu discurso ou ajustar sua visão de mundo”, complementa o médico.
Outra medida que se mostra eficaz, segundo alguns estudos, é pedir para que o seu interlocutor explique detalhadamente a sua visão. “Quando as pessoas são confrontadas com a sua incapacidade de explicar minunciosamente suas posições, elas percebem que o assunto é muito mais complexo do que elas imaginavam e isso leva à diminuição do radicalismo”, exemplifica Martins.