Secretário fez a declaração após enterro do sargento que foi baleado durante operação no Morro da Providência
Rio – Um grupo de policiais do Batalhão de Operações Especiais (Bope) dentro de uma Kombi, sem blindagem, na noite de quinta-feira no Morro da Providência. A intenção era que os agentes passassem despercebidos, porém a madrugada desta sexta-feira terminou com a morte de um sargento e cinco suspeitos, além de dois policiais baleados. Enquanto especialistas em segurança criticaram a operação, o secretário José Mariano Beltrame lamentou o resultado, mas avisou: “As pessoas que atirarem na polícia vão levar tiro também.”
Beltrame fez a declaração após o enterro do sargento André Luiz Vaz Nonato, de 40 anos, baleado na cabeça durante a ação. Um dos dois policiais baleados estava internado ontem, em estado estável, e o outro foi liberado. Os nomes não foram divulgados. O ex-secretário Nacional de Segurança, José Vicente Filho, considera que o poderio de fogo dos traficantes pode ter sido subestimado e aponta série de erros no planejamento da ação.
“A lataria da Kombi é uma casquinha. Os policiais estavam totalmente desprotegidos. O veículo, o momento da ação e o local foram impróprios. Sempre há risco em operações de inteligência. Por isso, devem ser tomadas medidas extraordinárias para que o risco seja próximo do zero. Faltou planejamento, o mínimo era haver uma equipe de cobertura. Considero essa operação uma temeridade, uma tragédia”, afirmou José Vicente.
De acordo com a PM, a operação de inteligência seguia conforme o esperado até um trecho da Rua Barão de Gamboa, uma das principais vias da comunidade. Na localidade, os policiais foram surpreendidos por um grupo de criminosos. Durante a intensa troca de tiros, o sargento foi atingido. Nonato tinha 15 anos de corporação.
Ex-capitão do Bope, Paulo Storani preferiu não opinar até conhecer detalhes da operação, mas estranhou a utilização da Kombi. “Na doutrina que eu conheço do Bope, na ausência do caveirão a tropa deve progredir a pé. Sempre foi assim”, afirmou. Ele acredita que o aumento da violência contra policiais é uma consequência da falta de programas sociais. “Houve um período que havia condições para a entrada dos programas nas comunidades, mas o governo perdeu a oportunidade de investir em fatores sociais que dariam resultado em médio prazo. Estamos sentindo a consequência disso, com criminosos cada vez mais ousados”, completou.
Sargento cursava Engenharia
Evangélico, humilde, simples e justo. Foram esses os adjetivos utilizados por familiares para definir o sargento André Luiz Vaz Nonato, que era casado e tinha uma filha de 5 anos. Ele cursava os últimos períodos de Engenharia e queria largar a profissão após se formar. “Ele estava muito bem e feliz antes de sair de casa para seguir para a operação. A gente sempre conversava sobre a polícia e ele criticava as condições de trabalho. Enquanto o policial não for respeitado, isso vai continuar acontecendo”, disse a mulher do policial, Andréa de Souza Nonato, de 32 anos.
Nesta sexta-feira, escolas da região próxima ao Morro da Providência fecharam e 975 alunos ficaram sem aulas. Além de André Luiz, outros dois policiais foram mortos em menos de 24 horas, no Grande Rio. Em Nova Iguaçu, Fabio Julio Dantas, de 29 anos, foi morto enquanto participava de um patrulhamento na madrugada de sexta-feira. Já em São João de Meriti, um policial foi morto enquanto estava de folga. De acordo com o titular da Delegacia de Homicídios da Baixada, Giniton Lages, o segundo foi morto por dois homens de motocicleta, que praticaram um assalto.
Sociólogo critica ‘cultura da PM’
O sociólogo Paulo Baía, professor da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e ex-secretário de Estado de Direitos Humanos, chamou atenção para a morte dos cinco suspeitos. “Significa a continuação de uma prática consolidada há mais de um século, onde a PM massacra a população tida como inimiga. O atual comando se esforça muito para evitar isso, mas está encrustado na cultura da corporação. A política da UPPs procurou estabelecer um contraponto a isso.”
Procurado, o comandante do Bope, tenente coronel Carlos Eduardo Sarmento da Costa, preferiu não conceder entrevista. A corporação não informou quantos agentes estavam na Kombi e nem o objetivo. “É necessário preservar as informações de inteligência”, alegou a assessoria de imprensa. Os suspeitos mortos foram identificados como Robson Moreira de Lima, 21, Lucca dos Santos, 18, e três homens que ainda não haviam sido identificados até a noite de ontem. A Polícia Civil não divulgou se tinham ficha criminal. Um outro homem, não identificado, de 19 anos, teria ficado ferido por bala perdida na comunidade.
Parentes dos suspeitos mortos foram reconhecer os corpos pela manhã no IML. “Eu sempre falei para ele largar o tráfico, uma hora ia acontecer”, disse uma mulher, que não quis se identificar. Outra que não se identificou disse: “Eu nunca soube que o meu irmão era do movimento (tráfico). Ele tinha uma vida pela frente.”