Profissionais mais procurados e valorizados, porém, têm que ser verdadeiros artistas, que cantam, dançam e criam bordões
Rio – Além de terem uma lábia invejável, os especialistas em locução publicitária, ou, no popular, locutores de portas de lojas, estão sendo disputados como nunca no comércio do Rio. Para amenizar a crise, que fez as vendas na cidade caírem 9% no primeiro trimestre, em comparação com o mesmo período de 2015, pior índice em dez anos, de acordo com o Clube de Diretores Lojistas (CDLRio), os empresários oferecem salários que podem chegar a R$ 6 mil.
Mas não basta ter só gogó para conquistar o patrão e, principalmente, clientes. Nos anúncios de jornalod_jornalis, na internet, e no site do Sistema Nacional de Empregos (Sine), as exigências vão muito além da voz e da boa aparência. Os candidatos têm que ser criativos, verdadeiros artistas de rua, que cantam, dançam, inventam bordões e se fantasiam.
O radialista e ex-goleiro, Elton John Borges, de 39 anos, atende a todos os requisitos. E por isso tem se dado bem. “A procura é tanta que estou dispensando trabalho por falta de tempo”, garante o homônimo do famoso cantor do Reino Unido, que “se apresenta” em frente a lojas de grandes redes, como Ortobom, Drogarias Economize e Dujuca, onde recebe cachês entre R$ 200 e R$ 300 por dia. “Sou um artista mambembe”, orgulha-se.
Bem falante, ele vira e mexe dança colado com freguesas. “Uma delas, de 70 anos, mais afoita, acabou indo ao chão comigo. Só não se machucou porque amorteci a queda”, conta, entre gargalhadas.
Enquanto anuncia produtos, o ex-atleta canta, faz imitações, conta piadas, encarna personagens humorísticos próprios e da TV, e brinca com quem passa. “Mas sempre dentro do bom senso”, pondera.
Com um vozeirão que lembra o cantor Barry White, o baiano Juscelino Batista, de 57 anos, há cinco é o locutor do Supermercado Multi Market, da Rua do Riachuelo, na Lapa. Nesse tempo, por soltar a voz entre um preço e outro, ganhou até uma espécie de fã clube.
“As pessoas pedem para tirar fotos comigo e publicam nas redes sociais. É um orgulho”, gaba-se, ressaltando que tem pessoas que vão até o supermercado só para ouvi-lo cantar. “Mas sempre acabam comprando uma coisinha. Tem uma senhora que pede para eu cantar no ouvido dela e outra me chama de ‘meu marido’”, diverte-se.
O presidente do CDLRio, Aldo Gonçalves, ressalta o sucesso dos locutores. “De baixos custos, são imprescindíveis para atrair clientes e alavancar vendas. Mas têm que ter talento”, observa Aldo. Gerente de uma filial da Ortobom, Laura de Oliveira, atesta: “um bom propagandista pode aumentar as vendas em pelo menos 20%”, revela.
Cuidado para não exagerar nas brincadeiras é preocupação comum
Para chamar a atenção de quem passa distraído pela calçada em frente à loja, vale quase tudo. “A gente imita personagens de novelas, de filmes, cai na zoação do futebol e da política, mexe com um e com outra. Mas tem que ter jogo de cintura, para não ultrapassar o limite das brincadeiras e tornar-se um chato, um abusado ou até mesmo ofender sem querer alguém”, explica Moacyr Januário Pio, de 45 anos, que há 10 anos roda por lojas da Rua Uruguaiana, fazendo diversas perfomances para agradar.
Criativo, Alfredo Reis, 39, largou a vida de camelô na Central do Brasil para virar “artista de loja”. “Mas vem pra cá! Mulher bonita não paga, mas também não leva!”, costuma brincar Alfredo ao microfone, imitando Silvio Santos, rindo. “Sei imitar o Faustão e Sidney Magal também. O povo pede. Dou até autógrafo e recebo gorjetas”, comenta Alfredo, especialista em lojas de lingerie. “Para vender cuecas e calcinhas, tem que saber brincar”, ensina.
Locutor virou cantor, de olho em shows
Se apresentando em portas de lojas do Sul do estado, o locutor Elismárcio de Paula, que se intitula “a revelação do forró”, 24, acabou virando cantor sertanejo, de olho no mercado de shows da capital.
“É meu sonho. Já lancei três CDs e cantei ao lado de Daniel e Amado Batista”, conta. Dono da loja Payol Country, em Volta Redonda, Cristian Magalhães garante que Elismário atrai 10% a mais de fregueses.
Profissionais da voz também são revelados constantemente no Saara, maior comércio popular do Rio. “Aqui é uma fábrica natural de locutores, chamados de boleiros”, diz o porta-voz do Saara, Ledo Miranda, estimando que existam 300 entre as 1,2 mil lojas.