Até agosto deste ano, somente 30 contratos socioambientais foram firmados pela empresa dentro do programa que previa R$ 1,5 bilhão em ações compensatórias
Os desdobramentos no cenário político desencadeados pelas denúncias de corrupção instalada na Petrobras e investigadas pela Operação Lava Jato não só fizeram despencar o lucro da empresa, como também obrigaram a estatal a cortar drasticamente seus investimentos na área social. A estimativa é que o rombo nos cofres da petroleira sejam de pelo menos R$ 6 bilhões.
Em 2014, a empresa lançou seu atual programa de responsabilidade social que previa o aporte de mais de R$ 1,5 bilhão, até 2018, em programas socioambientais. O ritmo de execução destes programas, no entanto, tem sido comprometido pelo pé no freio da atual diretoria da Petrobras.
Um exemplo disso se verifica no número de patrocínios contratados nos últimos anos com iniciativas voltadas à inclusão econômica dos grupos mais vulneráveis.
Em 2013, cerca de 350 contratos foram firmados. Este número caiu para 200 contratos em 2014. Neste ano, até agosto, somente 30 contratos foram firmados pela empresa, destinados à inclusão de populações vulneráveis.,
Por decisão da atual diretoria e de seu conselho de administração – do qual fazem parte o presidente da empresa Aldemir Bendine, além do diretor do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), Luciano Coutinho – o orçamento da Gerência Executiva de Responsabilidade Social foi cortado.
Em vez dos R$ 400 milhões previstos inicialmente, a empresa decidiu investir apenas R$ 140 milhões em 2016, contemplando apenas projetos já em andamento – ou seja, apenas 35% do previsto.
A empresa suspendeu o processo de seleção pública de projetos socioambientais. A ordem é não conceder mais nenhum patrocínio. A estimativa inicial de atingir cerca de 5,5 milhões de beneficiados diretos do programa, hoje não passa de 500 mil pessoas.
A decisão já impacta a demanda de projetos neste ano, já que a maior parte dos contratos tem vigência de 24 meses. Projetos contratados agora têm desembolsos até 2017. Além disso, também está suspensa a renovação de projetos avaliados como exitosos.
Compensação a danos ambientais
Os projetos socioambientais se apresentam como uma compensação diante de atividades degradantes e, no caso da Petrobras, uma das maiores empresas de exploração de petróleo do mundo, fazem diferença para comunidades pobres e cidades inteiras cujas economias passaram a depender da atividade.
Entre os poucos projetos renovados no ano passado está o Tamar, focado na proteção de tartarugas marinhas, cujo contrato, de 36 meses, foi renovado no ano passado. No entanto, uma gama de projetos bem menores e que são decisivos para comunidades vulneráveis não tiveram a mesma sorte.
Um dos projetos que demandam por renovação e está paralisado desde julho do ano passado é o Criança Petrobras da Maré, que atendia mais de duas mil crianças no Complexo de Favelas da Maré, o maior do Rio de Janeiro, aglomerado urbano de 16 favelas, com uma população de 140 mil pessoas, localizado ao lado do maior centro de pesquisas da Petrobras, na Ilha do Fundão.
Entre as mais diversas atividades bancadas pelo projeto, havia o investimento de atividades de dança, música, teatro, artes plásticas, literatura, uma gama de atividades complementares à escola e que atendia crianças em situação de vulnerabilidade social.
A diretora da ONG Redes da Maré, Eliana Sousa Silva, diz que aguarda por parte da empresa uma resposta positiva de renovação do contrato, mesmo que o valor previsto de investimentos seja de menos da metade do que foi contratado anteriormente. O contrato anterior era de R$ 1,8 milhão. Agora, a ONG pleiteia a renovação de pelo menos R$ 800 mil para manter as oficinas em funcionamento.
“Estamos sentindo falta de uma ação que era boa e que fazia diferença dentro da Maré porque atingia um número expressivo de crianças. Era um projeto que tinha escala e que impactava positivamente a comunidade”, pondera Eliana, em entrevista ao iG.
Outro projeto bem avaliado e que perderá a partir de setembro o apoio da Petrobras é o Licres Toques, de Aquiraz, município cearense a 30 quilômetros de Fortaleza. “Nosso contrato termina em setembro e já fomos avisados pelos gestores da Petrobras que ele não será renovado, pelo menos por enquanto”, diz Karla Gadelha Moreira, gestora de projetos da Tapera das Artes, ONG que administra o projeto desde 2013.
O Toques Livres atende hoje 460 crianças e adolescentes em situação de risco social com aulas de musicalização, piano, violão, violino, acordeom, percussão, entre outros instrumentos. Além disso, para pessoas com idades entre 15 e 29 anos, o projeto oferece cursos profissionalizantes de luthieria (fabricação e manutenção de instrumentos de cordas), fotografia, audiovisual e de áudio em estúdio.
“O Programa Criança Petrobras na Maré foi um dos afetados pelo corte de recursos da Petrobras” width=”652″ height=”408″ class=”size-full wp-image-2558″ /> O Programa Criança Petrobras na Maré foi um dos afetados pelo corte de recursos da Petrobras[/caption]O projeto Tapera das Artes é um dos patrocinados pela Petrobras que sofre com a falta de recursos
Sem o apoio de R$ 1,5 milhão da Petrobras, os gestores terão que reduzir o atendimento. “Vamos buscar outros apoios e tentar manter algumas atividades como os cursos de luthieria e de musicalização, mas é claro que não conseguiremos atender a quantidade de pessoas que atendemos hoje”, destacou.
Além desses projetos, outra ação que corre risco de não ter seu apoio renovado é o implantação da cadeia do caju, no município de Inhapi, em Alagoas. O apoio firmado pela Petrobras em 2013 foi de R$1,3 milhão. O projeto Plantando Caju e Colhendo Desenvolvimento atende diretamente 100 famílias assentadas do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) e indiretamente, considerando os cursos de capacitação, cerca de 500 famílias do Semi Árido nordestino.
O contrato com a Petrobras finalizaria neste mês de agosto, mas teve um aditivo de tempo e deverá findar em dezembro deste ano. Até lá os assentados esperam receber mais duas parcelas do convênio no valor total de R$ 300 mil, recurso que será destinado à compra de equipamento para o beneficiamento do caju.
De acordo com a coordenadora do MST (Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra), Debora Nunes, ainda não há uma sinalização da empresa em relação à renovação do contrato. No entanto, essa negociação deverá ter início em novembro.
“O apoio da Petrobras é fundamental, principalmente para as mulheres assentadas que já se organizaram em torno da produção de doces. Para o assentamento, como um todo, o cultivo e o beneficiamento do caju trouxeram uma renda menos sazonal que as culturas tradicionais do milho e do feijão que dependem mais da chuva”, explica Nunes.
Investimento depende de desempenho, diz Petrobras
Em resposta ao iG, a Petrobras não apresentou perspectivas de mudança no atual ritmo de execução do seu programa de responsabilidade social definido em 2014. De acordo com a assessoria de imprensa, os projetos patrocinados pela companhia no âmbito do Programa Petrobras Socioambiental “são de cunho voluntário e não se confundem com obrigações legais ou cumprimento de condicionantes ambientais”. Além disso, a empresa informou que o período de vigência dos contratos é definido em conformidade com o regulamento dos processos de seleção pública de projetos.
“A decisão de celebrar novos contratos depende do desempenho dos projetos e das prioridades estabelecidas pelo Plano de Negócios e Gestão da Petrobras. Ressaltamos ainda que a Petrobras orienta as instituições a buscarem a sustentabilidade de suas ações como forma de promover sua autonomia e estimula o envolvimento de outros parceiros nos projetos patrocinados”, informou a companhia.
“A Petrobras cumpre suas obrigações legais, assim como os planos e programas estabelecidos em condicionantes relacionados à mitigação e compensação dos impactos de seus empreendimentos, possuindo as licenças necessárias à execução das obras, obtidas junto aos órgãos competentes”, garantiu a petroleira.
Por Luciana Lima – iG Brasília